“E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, se revestiu de glória, a ponto de os filhos de Israel não poderem fitar a face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, ainda que desvanecente, como não será de maior glória o ministério do Espírito!” (II Coríntios 3:7-8)
MINISTÉRIO DE MORTE:
Lendo atentamente II Coríntios capítulo 3 percebe-se que Paulo fala de “dois ministérios” e não de “lei“. O termo lei não é empregado e isso é fundamental para a análise dos versos 7 e 8 desse
capítulo. Ministério, ministração ou administração não é sinônimo de
lei. Uma coisa é ministrar uma lei, outra é a lei em si mesma. A
ministração ou ministério refere-se aos meios pelos quais a lei é ensinada, aplicada e vivida.
O “ministério da morte”, também chamado por Paulo de ministério da condenação (verso 9) diz respeito ao antigo método em que a Lei de Deus era administrada. Em II Coríntios capítulo 3 é
dito como o antigo ou velho concerto era gerenciado; concerto este que,
pela incapacidade dos israelitas e pelo cumprimento das profecias foi
substituído.1
Paulo contrastando o velho com o novo concerto
chama este último de “ministério do Espírito” e “ministério da
justiça”. Ele ensinou que Jesus e o Seu novo ministério são a glória
resplandecente, em contraste com a glória do velho ministério que se
tornara empalidecida e finalmente desaparecera com o sacrifício na cruz
do Calvário: “Porquanto, na verdade, o que, outrora, foi glorificado, neste respeito, já não resplandece, diante da atual sobreexcelente glória.” (II Coríntios 3:10 cf Hebreus 3:1-3).
Muitos judeus, os quais antes de
aceitarem a Cristo como Salvador confiavam, obviamente, que a glória do
Sinai e o ministério exercido pelos levitas era a última palavra em
salvação. Eles entenderam que aglória e o ministério de Cristo da nova aliança além de superar, substituiu a antiga (Hebreus capítulo 5 e 8cf II Coríntios 3:14-16).
Por simples figura de linguagem, o antigo ministério da lei ou a maneira como esta lei era administrada no
velho concerto é denominado de “ministério da morte”. Exemplificando
pela própria Bíblia a figura de linguagem utilizada por Paulo: Nos dias
de Eliseu, certa vez, os filhos dos profetas ajuntaram-se em torno da “panela grande” em que se cozeu colocíntidas (ervas tóxicas) e então clamaram aos que as comiam: “Homem de Deus, há morte na panela” (II Reis 4:38-40).
Em linguagem exata disseram que havia algo no interior da panela que
iria causar a morte, mas, trocando a causa pelo efeito, alertaram
daquela forma. Outro exemplo é Isaías 28:18 que diz: “A vossa aliança com a morte será anulada…”. Obviamente que ninguém faz aliança com a morte, isso seria bizarro.
GRAVADO COM LETRAS EM PEDRAS:
Gravado em pedras é uma clara referência às duas tábuas onde foram escritos os Dez Mandamentos.2 O ministério da antiga aliança tinha sua legitimidade administrativa fundamentada nestes
mandamentos, ou seja, sem eles para: Estabelecer os princípios morais e
éticos, revelar o pecado e servir de base para outros preceitos, o
ministério perdia seu propósito. Por isso a ênfase “ministério da morte,
gravado com letras em pedras”, pois, os objetivos desse ministério
dependiam diretamente dos mandamentos contidos nas tábuas de pedra.
O verso de II Coríntios 3:7 não diz que
o Decálogo era o ministério da morte. O próprio Paulo esclareceu esse
ponto ao afirma que a lei que o contém é “santa, e o mandamento santo,
justo e bom”, que ela não pode ser substituída pela fé e nem pela graça (Romanos 7:12; Romanos 3:31; Romanos 6:15), e arremata dizendo: “acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum!” (Romanos 7:13-14 cf Romanos 8:1-14).
Ensinou ainda que os mandamentos do
Decálogo são baseados no amor: “… não adulterarás, não matarás, não
furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta
palavra se resume: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Romanos 13:8-10); e enfatizou que o homem justo perante Deus os obedecem (Romanos 2:13 cf Tiago 1:25; Tiago 2:8-13).
Os Dez Mandamentos, escritos “com letras
em pedras”, quando transgredidos denunciam o pecado, porém, eles não
orientam quanto ao devido julgamento e punição a serem aplicados. No
antigo concerto, as normas do velho ministério eram as responsáveis
nesse aspecto, e elas estavam descritas no Livro da Lei(a),
não nas tábuas de pedra. Paulo ao dizer: “tendo cancelado o escrito de
dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era
prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Colossenses 2:14),
chamava atenção tanto pela incapacidade judaica de honrar o antigo
concerto (o que gerou inimizade contra Deus), quanto pelos atos
punitivos aplicados nesse ministério.
Na antiga aliança os israelitas com o passar do tempo esqueceram os reais motivos do ministério entregue à eles3,
sendo os principais: Ter a Deus como o centro de suas vidas, reconhecer
a Cristo como único meio de salvação e conduzir outras nações a Ele. E,
apesar desse fracasso, o SENHOR manteve esses propósitos na nova
aliança (regida por um novo ministério), porém, sem os israelitas como
Seus representantes (Isaías 42:5-7; Mateus 21:42-46; Atos 18:6).
Em II Coríntios 3:3 é
enfatizado a maneira como Deus conduz o Decálogo na nova aliança: “…
escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente, não em tábuas
de pedra, mas em tábuas de carne, isto é,nos corações.” (cf Jeremias 31:31-36; Hebreus 10:16-18).
Considerar que as tábuas de pedra significavam ministério de morte, surgirá as seguintes indagações: (1). Como pode Deus conceder a Seu povo reunido solenemente, no Monte Sinai, uma lei que representa morte? (2).
Que Deus é este que trata de forma discriminada a Seu povo, reservando
uma lei de amor e justiça no novo concerto, enquanto os que viveram sob o
velho concerto recebem uma que reflete morte?
Não há base bíblica para a afirmativa de
que “ministério da morte” seja os mandamentos das “tábuas de pedra”.
Esse errôneo ensinamento anula a própria base da nova aliança e atribui
um caráter discriminador à Deus. Deixando-O, ainda, desprovido de
apontar e julgar o pecado.4
A GLÓRIA NO ROSTO DE MOISÉS:
“Ao descer do monte Sinai com as duas
tábuas da aliança nas mãos, Moisés não sabia que o seu rosto
resplandecia por ter conversado com o SENHOR.” O próprio Moisés estava
inconsciente da glória que irradiava da sua face, e não entendia porque
os filhos de Israel fugiam dele quando se aproximava. Chamou-os para
junto de si, mas eles não ousavam olhar para aquela face glorificada.
Quando Moisés percebeu que o povo não lhes podia mirar o rosto, o cobriu
com um véu (Êxodo 34:28-35).
A glória do rosto de Moisés era
muitíssimo penosa para os filhos de Israel por causa de suas
transgressões a santa Lei de Deus. Isto é uma ilustração dos sentimentos
dos que violam a lei divina; desejam remover de sua presença “a luz
penetrante” que, é um terror para quem a transgride, ao passo que para
os leais ela se afigura santa, justa e boa (Romanos 7:12-25; Romanos 8:1-8; I João 2:1-4).
Apenas os que têm justa consideração para com a Lei de Deus podem
estimar devidamente a expiação de Cristo, tornada necessária pela
violação dela.
Em II Coríntios 3:7-11 se
estabelece o contraste entre a glória que permanece e a glória que se
desvanece, entre o mais glorioso e o menos glorioso, entre o novo e o
antigo. Em ambos os casos a glória é
decorrente de Cristo. No novo concerto há uma plena revelação da glória
de Deus pela pessoa real de Cristo que veio a este mundo (João 1:14),
e cuja glória permanece para sempre. No antigo concerto, Cristo só
estava nos símbolos que proporcionava o cerimonialismo mosaico, mas a
glória que se refletia era a dEle. O Redentor estava oculto por trás de
um véu de emblemas e liturgias; mas o véu foi removido com a chegada da
grande Realidade (Hebreus 10:19-22; Daniel 9:27 cf Mateus 27:51).
Alguns lendo superficialmente II Coríntios 3:7 chegam à conclusão de que os Dez Mandamentos escritos nas tábuas de pedra eram que “desvaneciam“; mas o que claramente se diz neste verso é que a glória fugaz refletida no rosto de Moisés era que perecia (versos 7-8 cf verso 11).
A glória não estava nas tábuas de pedra. O reflexo da glória no rosto
de Moisés se desvaneceu, mas a Lei de Deus (Decálogo) gravada com letras
em pedra permanece em vigência. O antigo ministério era o que tinha que
desaparecer, não a Lei de Deus.5
A glória transitória ou passageira do
rosto de Moisés foi o resultado de sua comunhão com Deus no monte Sinai.
Demonstrava aos que a viam, que ele, tinha estado na presença divina;
era um depoimento silencioso de sua missão como representante de Deus e
da obrigação do povo de ajustar-se a seus preceitos. Essa glória
confirmava a origem divina dos mandamentos da Lei de Deus, e sua
vigência obrigatória a todos os homens (Eclesiastes 12:13).
Bem como o rosto de Moisés refletia a
glória de Deus, assim também os serviços do santuário terrestre
orientados pelas ordenanças cerimoniais refletiam a presença de Cristo. O
propósito de Deus era que o pecador nos dias da antiga aliança
entendessem e sentissem a presença salvadora de Cristo na glória
refletida através do sistema litúrgico do santuário terrestre (regido
pelo velho ministério). Mas quando Cristo veio, os homens tiveram o
privilégio de contemplar a glória da Realidade (Hebreus 9:22-28), e já não precisaram mais da glória menor refletida pelos símbolos (II Coríntios 3:10).
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O fracasso da nação judia em ver a Cristo
nos símbolos do sistema cerimonial caracteriza a história hebreia desde
o Sinai até a Sua vinda (Daniel 9:25-26). A cegueira de Israel o conduziu finalmente a recusar e crucificá-Lo (Isaías capítulo 53; II Coríntios 3:15-16).
De maneira que a expressão “ministério da morte” caracteriza
adequadamente o período do sistema judeu, apesar de muitas exceções
notáveis. Com a chegada da glória maior revelada em Cristo extinguiu-se a
glória menor refletida pelo sistema litúrgico do velho ministério.
Um ministério baseado somente na letra,
sem o Seu Legislador (Jesus), resulta em morte para os seus
transgressores; mas um ministério de lei, baseado na justiça de Cristo
através da ação do Espírito Santo no coração do pecador, resulta em
vida.6 O velho ministério
foi letra morta porque Israel deixou de cumprir a sua parte na antiga
aliança, pois, não estava ligado ao Espírito de Deus. Então o novo
ministério de Jesus veio reaver o Espírito que vivifica. Por isso Paulo
chama o “novo ministério” de “ministério do Espírito” (II Coríntios 3:8) e “ministério da justiça” (II Coríntios 3:9 cf Romanos 2:13).
O tema abordado em II Coríntios capítulo 3 faz
um comparativo entre o menor e o maior, apresentando uma série de
contrastes: a letra e o Espírito, a glória que se desvanece e a glória
que permanece, condenação e justificação, Moisés e Cristo. Em cada caso,
o segundo termo é infinitamente superior ao primeiro.
Na época em que Paulo escreveu as Epístolas aos Coríntios (52-54
d.C.), os judeus insistiam em praticar o ritual mosaico abolido por
Jesus ao morrer no Calvário. Somente no ano 70 com a destruição do
Templo pelos romanos é que cessou definitivamente para os judeus o que
fora transitório. Paulo se refere às duas tábuas de pedra (Lei de Deus)
porque elas eram o fundamento legislativo que proporcionavam objetivos e
vigência para as demais leis que regiam o antigo ministério sacerdotal.
Sem os preceitos e princípios básicos dos mandamentos das tábuas de
pedra, o velho ministério não tinha motivos para existir, assim como o
novo ministério sem eles torna-se sem propósito. É através deles que o
julgamento e a reivindicação da justiça de Deus são realizados.
A abordagem geral de II Coríntios capítulo 3 é explicar as diferenças entre os dois ministérios (velho
e novo) e suas respectivas vigências, e, refutar os judaizantes de
Corinto que queriam impor a liturgia mosaica no cristianismo, assim como
ocorreu nas igrejas de Galácia e Colossos.7 Eles
consideravam que os rituais de sacrifícios da velha aliança eram
essenciais para a salvação e, evidentemente, Paulo caracterizou esse
sistema litúrgico de ministério da morte. Era inerte. Judeus e gentios
deviam encontrar vida em Cristo, pois só nEle há salvação. Ele foi sem
dúvida o Salvador de Israel durante todo o tempo da antiga aliança como O
é agora na nova aliança.
a. Acesse: Lei de Deus & Lei de Moisés
1. Isaías 1:1-18; Jeremias capítulo 11; Oséias capítulo 4.
2. Êxodo 31:18; Êxodo 32:15-16; Êxodo 34:1-4; Êxodo 34:28-29; Deuteronômio 4:12-13.
3. Êxodo 19:5-6; Romanos 3:2 cf Gênesis 18:19; Gênesis 26:4-5.
4. I João 3:4; Romanos 4:14-15; Romanos 7:7; Tiago 2:8-12.
5. Mateus 5:17-19; Lucas 16:17; Romanos 3:31; Romanos 6:15; Tiago 2:8-13.
6. Acesse: A Lei de Deus aos Romanos – II
7. II Coríntios 11:12-24; Gálatas capítulo 2; Colossenses capítulo 2.
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